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Reflexões e Inspirações 

Ninguém Enxerga Como Eu

Atualizado: 3 de jul.

Sabe o que é mais curioso? Nem eu sei explicar. E talvez essa seja a parte mais incômoda de tudo. Não tem manual. Não tem cartilha. Não existe um molde escondido em alguma gaveta da vida que me diga: “É assim que funciona. É assim que você deveria ver o mundo.” Não. O que eu tenho é um emaranhado de sensações, de imagens desalinhadas, de contornos instáveis… e nenhum mapa que me guie nisso.

As pessoas gostam de medidas. De padrões. De linhas retas e limites definidos. Elas precisam disso. É confortável. Elas pegam o mundo, colocam sobre uma régua invisível e decidem: “Aqui é normal. Aqui não é.” Mas como se mede o que nunca parou? Como se delimita o que nunca esteve quieto o suficiente pra ser comparado? Como é que você explica o que simplesmente… não se encaixa?

Eu já tentei. Tentei tanto que, em alguns momentos, acreditei que talvez fosse possível. Que existia, em algum canto, uma explicação pronta. Uma palavra. Um termo técnico. Uma dessas classificações frias que a gente aprende a aceitar porque parece científica. Mas, toda vez que me aproximo, as palavras me escapam. É como tentar capturar o vento com as mãos. Como tentar desenhar o invisível. Não dá. Não funciona. E no fim… só sobra o vazio.

O meu olhar — ou o que quer que isso seja — nunca pertenceu aos moldes que as pessoas tentam me encaixar. Não é uma escolha. Não é teimosia. Não é uma birra de criança mimada que quer ser diferente. É só… o meu jeito. O meu mundo. A minha lente particular. Torta, inquieta, irregular. Mas minha. Absolutamente minha.

E o mais irônico? Eu só vejo assim. Não tem explicação. Não tem “por quê”. É como respirar. Como sentir o coração bater no peito. Você simplesmente… faz. Você simplesmente… vê. E o peso disso? Ah… esse só eu sei.

As pessoas tentam entender. Tentam me colocar dentro de definições bonitas ou confortáveis. Dizem que é embaçado. Dizem que é duplicado. Dizem que é trêmulo. E eu só escuto. Só balanço a cabeça. Porque nenhuma dessas palavras dá conta. Nenhuma delas sequer chega perto. As palavras tropeçam antes de ganhar forma. Elas se perdem antes mesmo de sair da boca. E eu fico aqui, preso entre o que vejo… e o que ninguém consegue ver.

O mundo exige explicações. As pessoas exigem respostas. Elas cobram um idioma que eu não sei falar. Um vocabulário que nunca me pertenceu. Elas precisam entender. Precisam rotular. Precisam ter certeza. Porque o que não tem nome… assusta. O que não se encaixa… incomoda. Mas algumas coisas simplesmente… não cabem nas palavras dos outros.

E o meu jeito de ver? Não cabe. Não adianta forçar. Não adianta tentar traduzir. É como tentar fotografar o silêncio ou capturar o cheiro do vento. Inútil. Frustrante. E cansativo.

Mas eu sigo tentando. Não porque eu ache que alguém, um dia, vai realmente entender. Já passei dessa fase. Eu tento porque… é o que me resta. Tentar. Engolir o silêncio. Engolir o mal-entendido. Engolir o olhar confuso das pessoas. E seguir.

Tem dias que dói mais. Tem dias que parece que o chão foge dos meus pés. Porque, sim… o mundo balança. Mas não daquele jeito poético, bonito, cinematográfico, em que tudo parece um sonho. Não. É seco. É duro. É áspero. É um tremor invisível que ninguém vê — só eu. Um movimento constante que rouba o conforto, que testa a paciência, que me lembra, a cada passo, que o mundo nunca está onde deveria estar.

Aprendi a andar assim. Com o chão fugindo, com os contornos do mundo escorregando pelas bordas da visão. E o pior? Ninguém vê. Ninguém nota. Ninguém entende. Porque o que os olhos dos outros não alcançam… simplesmente não existe para eles.

Mas a vida… a vida segue. Mesmo quando tudo parece instável. Mesmo quando o mundo parece um borrão, um rascunho malfeito, uma fotografia tremida. A vida segue. E eu sigo também. Um passo de cada vez. Mesmo que esse passo pareça incerto. Mesmo que o chão se mova. Mesmo que ninguém veja o esforço que é… só continuar.

É fácil me subestimar. As pessoas adoram isso. Adoram olhar, rotular, definir. Elas decidem, sem nem me perguntar, o que eu posso ou não posso fazer. Porque é mais simples acreditar que eu não enxergo. Mais confortável achar que o problema está resolvido com um diagnóstico, com uma etiqueta, com um “coitadinho”. Elas adoram a facilidade de não pensar além do óbvio.

Mas o óbvio nunca explicou nada. Nunca me limitou. Porque enquanto elas desenham cercas invisíveis ao meu redor, eu sigo quebrando essas cercas. Sigo desafiando as linhas que os outros tentam traçar no meu caminho. Porque o que cansa… não é a dificuldade de enxergar. O que pesa… não é o tremor constante. O que realmente cansa… é ser diminuído por quem nunca nem tentou ver além do que é confortável pra eles.

E se tem uma coisa que ninguém conseguiu tirar de mim… é a teimosia. Eu sou teimoso. Sempre fui. E sempre vou ser. Porque aprendi cedo que, se tem algo de que eu realmente dependo, são os meus óculos. E só. O resto? O resto é comigo. É no braço. É na luta. É na raça. É na insistência.

Nada me irrita mais do que aquele olhar torto. Aquela pena disfarçada de cuidado. Aquele tom doce que, por trás, carrega o veneno da dúvida. Eu não suporto que me tratem como se eu fosse feito de vidro. Não sou. Nunca fui.

E se alguém ainda duvida? Problema deles. Porque, no fim, sou eu que sigo. Sou eu que insisto. Sou eu que tropeço, caio, levanto e provo, mais uma vez, que o impossível só existe pra quem nunca precisou ultrapassar limite nenhum.

Mas o que realmente pesa… não vem de fora. Não vem dos estranhos. Não vem dos julgamentos superficiais. O que mais machuca… é quando a dúvida vem de quem mais deveria acreditar. Quando ela escorre, silenciosa, pelo olhar de quem você ama. Eles não precisam falar. Não precisam dizer nada. Mas está lá. Escondido. Embutido no cuidado. Disfarçado no afeto. Aquele pensamento que me corta mais do que qualquer palavra: “Será que ele consegue?”

E eu sigo tentando provar. Todos os dias. Lutando pra mostrar que dou conta. Que faço. Que aguento. Mas o que me consome… não é só a dúvida deles. É o medo de que essa dúvida nunca vá embora. É o medo de que, por mais que eu prove, por mais que eu insista, eles sempre me olhem assim… com aquele olhar inacabado de quem ainda não acredita por completo.

E o que me assusta mais… ainda nem aconteceu. Mas eu já penso nisso. Já me vejo lá, no futuro, tentando achar as palavras. Tentando explicar tudo isso… pro meu filho. Porque cedo ou tarde ele vai perceber. Vai notar no meu olhar. Vai notar no meu jeito de andar, no meu jeito de encarar o mundo. E ele vai perguntar.

E eu? Eu vou dizer a verdade. Do jeito que der. Com as palavras que eu conseguir reunir. Mas o que realmente me apavora… não é a pergunta. É o que vem depois. É o medo dele também me olhar como os outros. O medo dele, mesmo sem querer, me achar frágil. Me achar quebrado. Me achar… menor.

Porque nada me pesa mais do que imaginar que ele, justo ele, possa duvidar… antes mesmo de me conhecer de verdade.

E talvez… talvez o pior de tudo seja exatamente isso: eu não sei explicar. Não sei traduzir. Não sei colocar em palavras o que carrego nos olhos, na cabeça, no corpo. Não saber explicar… é um castigo invisível. É como viver preso dentro de um corpo que ninguém entende. Você tenta. Fala. Desenha. Se esforça. Mas as palavras falham. Tropeçam. Se perdem.

E no fim… sobra o vazio. O vazio do olhar perdido dos outros. O vazio do meu próprio peito, de quem não sabe se fazer entender. E o mundo segue. Me rotulando. Me julgando. Tentando me encaixar em moldes que não cabem.

E eu sigo aqui. Preso entre o que sou… e o que não consigo explicar.

Mas a gente aprende. Aprende na marra. Aprende que ou você vira motivo de piada… ou vira a própria piada. Não é charme. Não é defesa. É sobrevivência. Rir de si mesmo foi o que sobrou.

Eu brinco. Eu disfarço. Eu faço piada. Não porque seja engraçado. Mas porque, se eu não rir… eu explodo. Já explodi demais por dentro. Já cansei de me estressar.

E só eu sei… cada piada carrega uma ferida. Mas carrega também a prova de que, mesmo machucado, eu continuo aqui.

É por isso que eu não paro. É por isso que carrego esse sonho no peito. Pesado. Difícil. Às vezes… impossível. Mas meu. Quero ser o que ninguém foi pra mim. Quero estar lá, naquele consultório gelado, onde tantas respostas pareciam vazias. Quero ser o olhar que entende. A voz que não promete cura… mas oferece compreensão.

É por isso que eu quero ser oftalmologista. Não por status. Não por orgulho. Mas porque eu sei o que é entrar num consultório… e sair igual. Ou pior. Sei o que é ouvir termos técnicos e sair mais perdido. Sei o que é ver o olhar clínico… e não sentir nada além de distância.

E eu quero mudar isso. Não porque eu vá resolver tudo. Eu sei que não vou. Mas porque, às vezes, o que a gente mais precisa… não é alguém que conserte. É alguém que entenda. Alguém que olhe no fundo dos nossos olhos e diga: “Eu não te curo… mas eu te entendo. E isso já muda tudo.”

Se um dia eu for esse alguém… já vai ter valido a pena.

Nota:

Não tem como explicar isso direito. Não tem palavras que traduzam o que é ver o mundo assim. Mas esse texto é só uma tentativa… um desabafo, uma reflexão sobre um problema visual que poucos conhecem — e que eu vivo.

Aproveito pra agradecer quem sempre acompanha meus textos e pedir desculpas por não ter postado nada na semana passada. Tô voltando aos poucos, e logo tem mais.

Desculpa também se esse texto não foi tão grande ou tão profundo quanto os outros. Não tem muito o que embelezar quando o assunto é esse. Mas quando eu conseguir pensar em algo novo, eu volto aqui… e escrevo.

Obrigado de verdade.

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Maykel Israel
Maykel Israel
Jul 02
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