Entre o Querer e o Ter
- Reflexões e Inspirações
- 16 de jun.
- 11 min de leitura
Por que desejamos tanto, e por que quase nada parece durar?
Essa pergunta me acompanha há algum tempo. Inspirado por uma frase de Arthur Schopenhauer — “A vida é uma constante oscilação entre a ânsia de querer e o tédio de possuir” —, escrevi esse texto como um convite à reflexão. Não para dar respostas prontas, mas para abrir espaço para o incômodo, para o vazio, para o silêncio. Talvez, ao olharmos com mais atenção para aquilo que sentimos e evitamos, possamos encontrar um pouco de paz no meio do caos cotidiano. Se você chegou até aqui, respire fundo e permita-se mergulhar nessas palavras. Talvez algo nelas ecoe em você.
A natureza do desejo humano
Desde que tomamos consciência de quem somos, o desejo passa a nos acompanhar como uma sombra — silenciosa, constante, inevitável. Ele nasce sutil, como uma curiosidade inocente, e aos poucos se transforma em urgência. Desejamos o que não temos, o que imaginamos, o que os outros parecem ter de sobra, o que nos prometeram como ideal de vida. Desejamos sucesso como se ele nos tornasse mais dignos de existir, como se a validação alheia fosse um espelho necessário para reconhecer o próprio valor. Desejamos amor como se ele curasse nossas feridas, como se o outro fosse a peça que falta no quebra-cabeça do nosso vazio. Desejamos dinheiro como se ele fosse sinônimo de segurança, como se pudesse blindar a alma contra o medo, contra a escassez, contra o fracasso. Desejamos experiências como se fossem medalhas de vida bem vivida, como se cada aventura, cada viagem, cada novidade colecionada preenchesse um espaço que não sabemos nomear, mas sentimos todos os dias. E enquanto desejamos, nos sentimos vivos — inquietos, incompletos, famintos, mas vivos. O desejo é chama, é impulso, é a centelha que nos faz sair da inércia. Ele nos empurra para fora da cama quando o mundo parece sem cor. Nos dá metas, planos, rotas. Nos faz acreditar que existe algo lá na frente que vale o esforço de continuar. Mas é também o que nos rouba o presente. Porque vivemos projetados no futuro, naquilo que ainda não alcançamos, na próxima etapa, na próxima versão de nós mesmos. Como se a vida real estivesse sempre um pouco adiante, um pouco distante, um pouco depois. O agora vira passagem, nunca destino. A mente se agita, o coração acelera, e a paz parece uma promessa adiada. O desejo nos move — sim — mas também nos prende. Porque enquanto acreditarmos que só seremos completos depois de alcançar algo, estaremos condenados a correr eternamente atrás de uma miragem. Uma busca que começa dentro, mas que quase sempre termina do lado de fora.
A ilusão da realização
Mas então conseguimos. Finalmente. Aquilo que parecia tão distante se aproxima, se materializa, se encaixa nas mãos como se fosse o fim de uma longa jornada. Recebemos o reconhecimento que tanto sonhamos, sentimos o amor que parecia inalcançável, alcançamos a meta, vivemos a experiência, seguramos o que antes era só ideia. E no início, há sim um brilho. Um calor. Uma sensação momentânea de missão cumprida, de presença justificada, de vitória íntima. Por um instante… tudo faz sentido. Mas é só por um instante. Porque logo depois, quase sem perceber, a excitação se dilui. O extraordinário se acomoda, o brilho se apaga devagar, e o que era ápice vira apenas mais um capítulo. Aquela sensação de que tudo mudaria com a conquista se desfaz como vapor. E em seu lugar nasce algo estranho — um silêncio incômodo, uma ausência de plenitude, um vazio que não grita, mas sussurra. A gente olha em volta e percebe que a realização não veio acompanhada da paz prometida. Que a alegria era breve, quase frágil. Que aquilo que imaginávamos sentir não chegou, ou chegou menor. Como se o próprio desejo fosse mais poderoso do que o que ele apontava. Como se sonhar fosse mais emocionante do que realizar. E não é que conquistar seja inútil, nem que os objetivos não tenham valor. Mas é que o valor que damos a eles muitas vezes está inflado pela nossa expectativa. E a expectativa, quando explode, quase sempre deixa cacos. O que parecia ser o ponto final se revela apenas mais uma vírgula. O que parecia resolver tudo revela apenas que nada se resolve de fora para dentro. Porque não há prêmio que preencha um vazio que a gente não sabe nomear. E não há chegada que satisfaça um coração acostumado a correr. A ilusão da realização é essa: a de que, ao chegar, tudo se encaixa. Mas a verdade é que, muitas vezes, ao chegar… só percebemos que estávamos procurando no lugar errado.
O ciclo infinito entre querer e ter
E então, quase sem pausa, começamos tudo de novo. A conquista que parecia definitiva logo se torna passado, e surge no horizonte um novo desejo, uma nova vontade, um novo alguém, um novo objetivo que nos promete — mais uma vez — o alívio que a realização anterior não trouxe. Queremos algo maior, melhor, mais intenso, mais bonito, mais duradouro, mais impactante. É como se estivéssemos constantemente tentando ajustar a sintonia da vida, procurando o tom certo que faça tudo finalmente soar pleno. O querer nos mantém vivos, é verdade. Ele nos acende por dentro, nos movimenta, nos desafia. Há beleza na busca, há energia no anseio. Mas é também nesse mesmo movimento que começamos a nos perder. Porque logo que alcançamos o que desejávamos, o ciclo se reinicia. É como correr atrás de uma linha do horizonte que, por definição, nunca se alcança. Vivemos como viajantes cansados, sempre em trânsito, sempre entre o que foi e o que será, mas quase nunca no que é. O querer se torna âncora e motor ao mesmo tempo: nos prende e nos move. Nos enche de sentido ao mesmo tempo que nos esvazia da paz. Há um paradoxo profundo nesse ciclo: enquanto desejamos, sentimos que a vida tem direção, mas quando temos, percebemos que a chegada era apenas uma pausa entre duas corridas. O querer dá sentido ao tempo, o ter nos faz desconfiar do que fizemos com ele. E assim vivemos — entre a ânsia e o cansaço, entre a esperança e a frustração, entre a fome e o enjoo. Nunca completamente saciados, nunca totalmente vazios. Apenas nessa oscilação infinita que nos prende no meio do caminho. E o mais curioso é que, mesmo conscientes disso, repetimos o ciclo. Porque parte de nós acredita — ou precisa acreditar — que o próximo desejo será diferente. Que o próximo "ter" será definitivo. Que um dia, em algum lugar, com alguma pessoa, numa nova versão de nós mesmos… tudo finalmente vai se encaixar. Mesmo que, no fundo, já saibamos que isso nunca acontece.
O tédio do que já é certo
Talvez o que mais nos assuste não seja a ausência de novidades, mas a previsibilidade daquilo que antes parecia mágico. O tédio, ao contrário do que imaginamos, não nasce da carência, mas da constância. Aquilo que um dia fez o coração disparar, que tirou nosso fôlego, que nos fez acreditar que tudo fazia sentido, com o tempo perde o brilho — não porque deixou de ser valioso, mas porque passou a ser certo demais. O extraordinário, quando repetido, se acomoda. E então, devagar, deixamos de olhar com encantamento para o que antes nos fazia vibrar. O amor se torna silêncio. O sucesso vira cobrança. A paisagem que um dia foi poesia agora é apenas o caminho para o trabalho. O gesto carinhoso, antes raro e especial, vira obrigação. O que era conquista passa a ser só mais uma parte da rotina. E assim, aquilo que um dia nos completou começa a nos entediar. Não porque perdeu seu valor real, mas porque nos acostumamos com sua presença. O hábito é uma lente embaçada: nos impede de ver com frescor, de sentir com intensidade, de perceber com profundidade. A repetição não só esfria os gestos, mas também adormece a alma. E nesse adormecer, deixamos de reconhecer a preciosidade do que temos. O café da manhã ao lado de quem amamos, a mensagem simples de quem se importa, o trabalho que um dia foi sonho, o abraço que sempre esteve ali — tudo isso, aos poucos, perde o peso simbólico. E quando tudo parece garantido, perdemos o impulso de agradecer. Como se aquilo que é certo não precisasse mais ser celebrado. Como se aquilo que está ali hoje, estivesse condenado a estar ali sempre. O tédio nasce desse olhar embotado. Dessa crença silenciosa de que o novo é sempre melhor, e o presente já não surpreende. E assim vivemos presos entre a memória do encantamento e a expectativa por algo diferente, ignorando que o brilho das coisas não mora apenas nelas — mas na forma como escolhemos vê-las, todos os dias.
A busca por algo que preencha
Diante do tédio, do vazio, da sensação persistente de incompletude, buscamos o que parece nos salvar: estímulos. Novas metas, novos projetos, novos relacionamentos, novos hábitos, novas versões de nós mesmos. Nos agarramos à ideia de que mudar o cenário mudará a narrativa. E assim, trocamos tudo — o trabalho, os amigos, a aparência, as roupas, os aplicativos. Nos perdemos em telas que nunca cessam, em metas que nunca bastam, em desejos que mal nascem e já exigem ser superados. Preenchemos o tempo com velocidade e o silêncio com ruído. Nos distraímos, nos ocupamos, nos ocupamos da ocupação. Mas ainda assim, ao fim do dia, quando sobra só o espelho e o travesseiro, sentimos. E o que sentimos é o que sempre esteve lá: uma espécie de saudade do que nunca chegou. Uma inquietação sem nome. Um incômodo que não tem lugar certo, mas que pesa. Um desconforto que nenhuma conquista silencia. Porque a verdade é que, apesar de mudarmos o que está ao redor, raramente olhamos para dentro. E quase nunca permanecemos lá o tempo suficiente. Corremos de nós mesmos como se nossa companhia fosse insuportável. Como se fosse perigoso parar e ouvir o que o silêncio tem a dizer. Mas o problema não é o mundo — é o buraco que carregamos no peito, esse buraco que tentamos preencher com tudo, menos com presença. E o mais curioso é que, quanto mais tentamos distrair essa falta, mais ela cresce. Porque ela não quer distração. Ela quer atenção. E enquanto insistirmos em resolver o que é interno com soluções externas, seguiremos voltando ao mesmo lugar. O nome muda, o cenário muda, o desejo muda, mas a sensação… sempre volta. Aquela sensação de que, apesar de tudo, ainda falta alguma coisa. E talvez o que falta não esteja fora, nem no que ainda virá, mas no que sempre evitamos encarar: nós mesmos.
A possibilidade de um novo olhar
E se o problema nunca foi o desejo em si, mas o modo como desejamos? Talvez o erro não esteja em sonhar, mas em sonhar com pressa, com urgência, com a ilusão de que só seremos inteiros quando chegarmos lá — onde quer que esse “lá” seja. Talvez não sejamos vítimas do vazio, mas da maneira como olhamos para ele, como tentamos preenchê-lo a qualquer custo sem antes entender o que ele quer nos dizer. E se o incômodo que sentimos não for um defeito da vida, mas um convite para parar de correr e começar a enxergar? Talvez o equívoco não esteja em conquistar, mas em atravessar o caminho como se ele fosse apenas um meio descartável até a meta, como se cada passo só tivesse valor se nos levasse à próxima linha de chegada. Vivemos pulando de meta em meta, transformando a existência em uma espécie de lista infinita de tarefas que, ao serem cumpridas, não nos aliviam — apenas nos cobram mais. Estamos mesmo vivendo ou apenas sobrevivendo dentro de uma engrenagem disfarçada de propósito? Será que conseguimos, de verdade, estar em um lugar sem pensar no próximo? Será que conseguimos comer sem pensar no que faremos depois? Amar sem planejar a próxima etapa? Respirar sem ansiedade? Talvez a dor que sentimos não venha da falta de conquistas, mas da ausência de presença. Talvez tudo o que fizemos até aqui tenha sido uma tentativa inconsciente de alcançar um ponto onde a vida finalmente faça sentido — sem perceber que o sentido não está em chegar, mas em perceber que já estamos. Que o tempo que ignoramos por não ser “importante” era o tempo mais real que tínhamos. Que o agora, tão comum, tão silencioso, tão aparentemente insignificante, é o único lugar onde a vida acontece de verdade. O vazio que tanto nos incomoda pode não ser ausência de algo, mas excesso de futuro. E talvez o que esteja faltando não seja algo novo, mas um novo olhar sobre o que já existe.
A importância da presença
Talvez o maior desafio da nossa geração não seja conquistar tudo, mas conseguir estar por inteiro em qualquer lugar. Estar presente parece simples, mas é quase um milagre. Porque vivemos com o corpo aqui e a mente lá — no que falta, no que vem depois, no que poderia ter sido. Estamos na mesa do café da manhã pensando no trabalho. No trabalho pensando no fim de semana. No fim de semana tentando esquecer que segunda-feira existe. E assim a vida passa — não porque é curta, mas porque não está sendo vivida enquanto acontece. Ser presença no mundo é mais raro do que parece. Estar em uma conversa sem checar o celular. Sentar ao lado de alguém sem a necessidade de dizer nada. Sentir o vento sem transformá-lo em legenda. Respirar fundo sem pressa. Ouvir alguém com o coração aberto, e não com a resposta pronta na ponta da língua. Estar cansado depois de um dia longo e, em vez de reclamar, agradecer por ter vivido. Olhar nos olhos de quem a gente ama e perceber que ali já existe tudo o que sempre procuramos em outro lugar. Talvez o segredo não esteja em querer menos nem em ter mais, mas em perceber — com honestidade — o que já está aqui. E o que está aqui nem sempre é perfeito, mas é real. E o real, quando olhado com verdade, tem um poder que o imaginado nunca terá. A paz que tanto buscamos não está guardada num futuro ideal, nem escondida num passado que romantizamos. Ela mora no instante. No agora. E o agora, por mais imperfeito que seja, é o único espaço onde a vida realmente respira. Estar presente exige coragem. Coragem de parar. De sentir. De encarar o que somos sem filtros, sem planos, sem disfarces. Porque viver no agora é um ato de rendição. É dizer para si mesmo: eu estou aqui, e isso basta. E talvez essa seja a forma mais sincera de paz que podemos experimentar.
Encerramento com paradoxo
Talvez o verdadeiro sentido da vida não esteja em resolver essa oscilação entre o desejo e o tédio, mas em aceitá-la como parte do que somos. Talvez a resposta não esteja em eliminar o vazio ou evitar o excesso, mas em entender que ambos fazem parte da mesma dança. Viver é se mover entre extremos: entre a ânsia de conquistar e o incômodo de já ter; entre o impulso que nos lança para frente e a saudade do que já passou; entre a vontade de sentir mais e o medo de sentir demais. E é nessa contradição que mora a beleza. A vida não é uma linha reta nem um ponto de chegada — é um fluxo, um vai e vem constante entre o querer e o alcançar, entre o entusiasmo e a calmaria, entre o silêncio e a explosão. Fugir desse ciclo é fugir da vida. Porque talvez viver não seja encontrar equilíbrio, mas continuar mesmo sem encontrá-lo. Talvez viver seja andar em círculos com consciência, sabendo que sempre haverá algo a desejar, algo a perder, algo a reencontrar. A paz não vem da estabilidade, mas da aceitação do movimento. Do abraço ao caos. Da entrega ao que escapa. Talvez o segredo não seja parar de desejar, mas desejar com menos pressa, com menos sede, com mais presença. Sentir o querer sem se perder nele. Alcançar sem precisar se apegar. Talvez o caminho esteja em permitir que o coração deseje de novo, mesmo sabendo que pode doer depois. E seguir em frente, não por garantia de felicidade, mas por fidelidade à própria experiência de estar vivo. Porque talvez, no fim das contas, a vida não seja sobre encontrar respostas, mas sobre aprender a fazer as perguntas certas — e continuar caminhando mesmo quando todas elas permanecem em silêncio.
Se você leu até o fim, obrigado. Obrigado por dar tempo ao silêncio, por deixar que essas palavras respirassem em você. Acredito que a reflexão é um dos caminhos mais sinceros para entender quem somos — ou pelo menos tentar. Que esse texto tenha te provocado, acalmado, ou mesmo apenas acompanhado por alguns minutos. E que, mesmo no meio da oscilação entre querer e ter, entre o agora e o depois, você consiga encontrar presença. Porque a vida pulsa nesse instante. E é nesse instante que, juntos, ainda podemos encontrar sentido.
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