Entre o Primeiro Suspiro e o Silêncio
- Reflexões e Inspirações
- 15 de jul.
- 7 min de leitura
Ninguém lembra o momento exato em que deu o primeiro suspiro, mas foi nos braços de uma mãe que ele aconteceu. Antes do ar, antes do choro, antes mesmo da consciência — havia o ventre. Um lugar apertado, silencioso, escuro... mas absurdamente seguro. Ali começamos a existir muito antes de entendermos o que significava estar vivos. Cercados por batimentos que nos embalavam como uma canção de ninar ancestral, crescíamos amparados por um amor que nem sabíamos que existia. Amor sem rosto, sem nome, sem condição. Um amor que se antecipa à própria vida.
A vida começou ali. Entre enjoos e sorrisos escondidos, entre dores físicas e esperanças imaginadas no silêncio da madrugada. Começou enquanto alguém falava conosco mesmo sem resposta, enquanto acariciava uma barriga sonhando com olhos que ainda não podia ver. Começou entre batidas de coração que pulsavam juntas — duas vidas se tocando por dentro, como se a alma da mãe estendesse a mão para guiar a alma que chegava ao mundo. E mesmo que a memória não guarde esse início, o corpo guarda. O coração sabe. A pele reconhece.
Mães não apenas nos colocam no mundo. Elas nos sustentam nos primeiros instantes em que a existência é frágil demais para se sustentar sozinha. São elas que nos ensinam, sem palavras, o que é cuidado. O que é presença. O que é estar disponível mesmo quando não se tem mais forças. São elas que nos moldam com gestos quase invisíveis: com o modo como ajeitam um cobertor durante a noite, com o olhar cansado que ainda sorri, com as orações feitas em silêncio quando ninguém está olhando. São elas que seguram firme nossas mãos quando damos os primeiros passos — e mais tarde, soltam sem mostrar o medo.
O colo de uma mãe é mais que conforto: é o primeiro lugar onde sentimos que pertencemos. É o primeiro lar — não o de paredes e telhado, mas o de afeto, o que acolhe sem cobrar, o que aquece sem perguntar. O primeiro olhar que nos reconhece não vem de fora, vem dela. É ela quem, sem saber exatamente quem somos, já sabe o suficiente para amar como ninguém mais será capaz.
E por mais que o tempo passe, que a gente cresça, que ganhe o mundo e aprenda a caminhar sem ajuda, esse começo não desaparece. Ele fica. Escondido entre as dobras da alma, como uma raiz que sustenta a árvore, mesmo quando o tronco já é alto demais para se curvar. É o tipo de origem que não se vê, mas que se sente. Está no nosso jeito de enfrentar o medo, de buscar consolo, de esperar algo bom do mundo — porque um dia houve alguém que nos segurou com tanto amor que fez parecer que tudo daria certo. E talvez seja por isso que a gente continue tentando, mesmo depois de cair tantas vezes. Porque, lá no fundo, ainda existe dentro de nós o eco do primeiro abraço. E ele tem o cheiro de mãe.
Crescer é, aos poucos, desapegar do colo — mas nunca do afeto. A gente vai se distanciando sem perceber. Troca os braços dela pelas mochilas, os conselhos pelas tentativas próprias, o quarto compartilhado por um mundo só nosso. Mas mesmo quando os passos nos afastam, o amor de mãe continua acompanhando em silêncio. Como uma sombra que não se vê à noite, mas que está lá, protegendo no escuro. Como uma memória que se manifesta nos detalhes mais banais: o jeito de fechar a janela antes da chuva, de cortar o pão ao meio, de se preocupar com os outros antes de pensar em si.
Há um tipo de amor que não precisa ser dito para ser sentido — e o amor de mãe é o maior deles. Ele não grita, não exige, não se cansa. Apenas existe. Como se estivesse costurado entre a pele e a alma. Um amor que se manifesta mesmo quando a gente erra, mesmo quando se afasta, mesmo quando machuca. Porque mães não amam pelas circunstâncias. Elas amam apesar delas. O amor de mãe é o único que sabe perdoar antes mesmo de ser ofendido, o único que aguarda sem cobrança, que espera sem desistir.
E esse amor não se prende ao que é visível. Ele se transforma. De abraço, vira oração. De presença, vira saudade. De voz, vira lembrança. Mas nunca deixa de ser amor. Nunca deixa de guiar. Nunca deixa de existir. Mesmo quando ela não está ao nosso lado fisicamente, a mãe continua dentro da gente. Em forma de coragem emprestada, de valores silenciosamente passados, de intuições que surgem do nada — mas que, no fundo, são sussurros dela.
É curioso como, mesmo adultos, ainda buscamos aprovação em seus olhos. Ainda voltamos para casa quando o mundo pesa demais. Ainda queremos ouvir um “vai ficar tudo bem” vindo da boca dela, porque quando ela diz, parece que realmente vai. Parece que o mundo desacelera, que o caos encontra trégua, que o coração volta ao ritmo certo.
O amor de mãe é semente e escudo. Ele planta em nós a capacidade de sentir, de se importar, de cuidar — e também nos protege de um mundo que nem sempre sabe fazer o mesmo. É por isso que, às vezes, não percebemos o quanto dependemos disso. Porque amor de mãe é tão constante que parece parte do cenário, como o ar. E só se nota a falta quando ele começa a se silenciar.
Mas, até lá, ele vai nos guiando. Vai nos mantendo firmes. Vai nos lembrando, dia após dia, que alguém acreditou em nós antes de qualquer conquista, antes de qualquer diploma, antes de qualquer “deu certo”. Alguém que amava a nossa essência, não o nosso resultado. E é por isso que a jornada vale tanto. Porque, no fundo, o que queremos mesmo é honrar esse amor que caminhou conosco desde o começo. O que queremos é provar — ainda que sem palavras — que todo aquele cuidado valeu a pena. Que a gente não esqueceu. Que ela continua aqui, dentro de tudo que somos.
Um dia, inevitavelmente, a vida segue sem o abraço que acalma, sem a voz que nos chamava pelo nome com um tom que mais ninguém conseguirá imitar. Um dia, a cadeira vazia na sala, a ausência de uma mensagem simples, o silêncio em meio às conquistas... vão denunciar aquilo que o coração já teme: que ela não está mais aqui. E nesse momento, o mundo parece desacertar o compasso. Porque ninguém nos ensina como viver sem mãe. Ninguém nos prepara para perder quem foi nosso chão quando ainda estávamos aprendendo a andar.
E, ainda assim, a vida continua. Continuamos rindo, chorando, vencendo e tropeçando. Seguimos. Mas levamos conosco uma ausência que não se cura — apenas se acomoda. Porque o amor de mãe, uma vez recebido, jamais pode ser completamente arrancado de dentro. Ele vira parte do nosso tecido interno, da nossa memória afetiva, da nossa forma de ver o mundo. É como um perfume antigo em uma blusa guardada: ele enfraquece com o tempo, mas nunca desaparece por inteiro.
O mais difícil talvez não seja a ausência física. É a vontade de contar algo importante e lembrar, no meio do pensamento, que ela não poderá ouvir. É desejar que ela visse o quanto a gente mudou, cresceu, venceu, mesmo sem o apoio diário. É perceber que, embora tenha nos dado o primeiro sopro de vida, não poderá testemunhar o último. Que ela esteve ali no começo, mas não estará no fim. E isso fere. Fere de um jeito que nenhuma conquista consegue curar.
Mas há um consolo — e ele é tão silencioso quanto o cuidado que ela sempre teve: mãe não parte. Ela se transforma. Se dissolve nos gestos que herdamos, nas frases que repetimos sem perceber, nas escolhas que fazemos mesmo sem saber que foram ensinadas por ela. Mãe continua viva no modo como dobramos as roupas, no modo como cuidamos dos nossos filhos, ou até mesmo no jeito de cozinhar aquela receita que só ela fazia com perfeição. O amor de mãe é herança que não precisa de testamento. É legado invisível que molda até os dias em que a gente acredita que está sozinho.
E talvez seja essa a mágica mais bonita da maternidade: elas não vivem apenas pelos anos que respiram. Vivem pelas marcas que deixam. Pelos valores que ensinam sem palavras. Pelos silêncios que ensinaram mais do que mil conselhos. E mesmo quando a lápide vier a substituir o abraço, ela ainda estará ali — não no mármore frio, mas no calor das lembranças. Na força que carregamos nos dias difíceis. Na fé que renasce quando tudo parece incerto. Mães não morrem. Mães viram eternidade em forma de sentimento.
Elas são o princípio. São a ponte. São o motivo pelo qual conseguimos amar, mesmo com o mundo tão duro. E quando já não estiverem aqui... ainda estarão. Porque tudo que importa — tudo que realmente importa — nasceu no dia em que elas nos acolheram pela primeira vez. E isso, o tempo nunca leva.
Esse texto foi feito, com todo o coração, especialmente para as mães. Para todas que já estiveram aqui, para as que ainda estão, e para aquelas que seguem vivas dentro de nós — em cada gesto, em cada memória, em cada amor que a gente aprende a cultivar.
Muito obrigado de verdade a quem leu até aqui. De verdade mesmo. Isso significa muito pra mim. Saber que alguém parou um tempinho pra refletir junto comigo é o que me dá vontade de continuar escrevendo. Se você gostou, deixa sua avaliação ou comenta o que achou — isso me ajuda demais a entender se estou no caminho certo, se minhas palavras têm alcançado alguém aí do outro lado.
E ah... me desculpem por não ter postado ontem. A correria acabou me impedindo de fazer isso no tempo que eu queria. Mas às vezes, atrasar um pouco também é forma de fazer com mais carinho, né?
O próximo texto já está no forno. Vai ser especial e com um tema bem parecido com esse de agora, mas... vamos deixar em segredo por enquanto. 😌
Até lá, se cuide — e se ainda tiver a chance, abraça sua mãe hoje. Mesmo que seja só em pensamento.
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