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Reflexões e Inspirações 

Dona Morte

  • Foto do escritor: Felipe Manuel
    Felipe Manuel
  • 1 de mai.
  • 2 min de leitura

Hoje... não sei se é hoje. Acho que já deveria ter sido ontem, ou anteontem, ou qualquer dia desses que eu me esqueci de existir. Faz tempo que eu não sinto, mas continuo aqui, respirando por costume, tropeçando em pensamentos tão gastos que mal reconheço onde terminam ou começam. Parece que tudo foi se esfarelando, devagar, silencioso, como a poeira que ninguém vê levantar. Me peguei olhando o teto por horas. Ou minutos? Eu não sei. A linha do tempo parece tão elástica agora, tão sem pressa e ao mesmo tempo exausta. Às vezes penso que gritei. Gritei tanto que perdi a voz. Outras vezes, só abri a boca, e nada saiu. Nem precisava sair. Ninguém escutaria de qualquer forma. E no meio desse vazio que já é tão meu quanto a pele que eu visto, veio ela. Não como um susto, nem como um trovão. Veio mansa. Dona Morte, com aquele jeito estranho de quem entende sem precisar perguntar. E eu sorri, meio torto, porque talvez seja a primeira a me ouvir de verdade. Você tem sorte, sabia? Sorte de me levar sem resistência, sem drama, sem promessas de última hora. Sorte de me encontrar tão entregue que nem suspiro mais pela ausência. Sorte de me recolher quando já não resta quase nada a ser recolhido. Sorte de quem vem depois de tudo já ter ido embora. E eu... eu canto pra você, como quem canta a própria despedida, desafinado, rouco, mas sincero. Uma última música, talvez. Uma última dança, tropeçando entre as lembranças que ninguém quis dividir comigo. Uma última história, contada em silêncio, pra não incomodar quem nunca quis ouvir. Engraçado... agora que você chegou, vejo que não é sobre ir embora. Nunca foi. É sobre ser esquecido antes de ter a chance de existir inteiro. É sobre chamar e ser ignorado. Sobre tentar e ser invisível. Sobre abraçar o vazio até que ele vire casa, abrigo, amante. E mesmo assim, alguma parte pequena, ridícula, insiste em querer ser notada. Em querer ser lembrada. Mesmo sabendo que não faz diferença. Talvez você chore, dona morte. Não por mim, mas pela ironia. Porque todo esse peso que você veio buscar já não pesa mais em mim faz tempo. Eu fui me desfazendo, um pensamento de cada vez, uma esperança de cada vez, uma tentativa de cada vez. Você só está aqui para recolher o que já se desfez. E se amanhã lembrarem... que seja pela ausência. Que seja pelo silêncio. Que seja pelas palavras que ninguém quis ouvir. Eu não preciso de finais bonitos. Nunca precisei. Nem de conselhos, nem de soluções fáceis. Só queria, talvez, que por um instante, alguém tivesse ficado. Sem pressa, sem medo, sem precisar consertar nada. Só... ficado.

Mas agora tanto faz.

Venha, dona morte.A música já acabou faz tempo.

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