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Reflexões e Inspirações 

Consome...

Há um tipo de dor que não grita. Uma espécie de angústia silenciosa que não se faz notar aos olhos de quem passa, mas que corrói por dentro com a lentidão cruel das coisas não ditas. E é nela que muita gente vive — ou apenas resiste. Em um tempo onde os afetos se tornaram frágeis como vidro fino e as relações vêm com prazo de validade disfarçado de espontaneidade, há cada vez mais almas se perguntando: por quanto tempo vão ficar? As pessoas entram, se apresentam, sorriem, deixam rastros. Algumas vão embora sem dizer adeus, outras ainda tentam mascarar a partida com mensagens adiadas ou gestos mecânicos. E toda vez que uma nova presença se aproxima, surge também a dúvida: quanto tempo até que ela vá embora também? A modernidade embala a efemeridade como se fosse charme. Mas para quem sente fundo, é só mais um jeito de se ferir devagar. A solidão atual tem Wi-Fi, mas não tem afeto. Conversas inteiras acontecem sem voz, sentimentos inteiros se perdem no algoritmo. E mesmo entre os que permanecem, há distâncias invisíveis, muros erguidos por traumas mal resolvidos, por silêncios herdados, por dores que deveriam ter sido compartilhadas... mas não foram. Há jovens que já nascem cansados. Gerações inteiras de mentes exaustas, que aprenderam cedo demais que chorar não resolve, que falar não muda, que confiar pode machucar. Então anestesiam-se. Uns com distrações, outros com substâncias. Uns com excesso de barulho, outros com isolamento profundo. Cada um à sua maneira tentando não sentir, tentando não existir demais. Porque existir demais dói. Às vezes a raiz da dor está em algo tão simples quanto o que não foi dito aos pais. Um “me ouve”. Um “me vê”. Um “me entende sem corrigir”. Mas essas palavras se dissolvem antes de chegar à garganta, abafadas por vergonha, por orgulho, por um abismo criado por décadas de ausência disfarçada de presença. E então, aquele quarto escuro deixa de ser só um cômodo. Vira abrigo. Vira cela. Não é preguiça. Não é drama. É uma luta entre duas forças — como um tsunami contra outro. Dentro da mente, o caos se organiza em ondas que não cessam. A vontade de sumir briga com a lembrança de que há quem se importe. A vontade de sair grita contra o cansaço de fingir um sorriso. É yin e yang, mas sem equilíbrio. É guerra civil interior. Viver no automático é a defesa. Respirar fundo e seguir em frente. Mesmo quando tudo por dentro já se rasgou há tempos. Mesmo quando os planos foram deixados pelo caminho. Mesmo quando o “tô aqui” soa mais como um pedido de socorro do que como uma afirmação. Mas está ali. Persistindo. Ainda que por teimosia. Ainda que no fio. É estranho o quanto se espera de alguém que está em pedaços. Esperam que sorria, que se arrume, que participe. E quando isso acontece, a máscara funciona. Ninguém percebe que por dentro está tudo oco. Que o riso não preenche. Que o “melhorei” foi só uma forma de evitar explicações longas. Porque explicar dói mais que calar. Mas há amor, sim. Mesmo que torto, mesmo que confuso. Um sentimento que consome, que não sabe se chama amor, apego, dependência ou saudade. E que às vezes só queria um espaço para ser nomeado. Ser compreendido. Ser ouvido sem pressa. E talvez esse seja o pedido silencioso que paira no ar quando a porta fica aberta, quando a janela continua entreaberta, quando o recado é deixado: “Eu ainda tô aqui”. Mesmo ferido, mesmo vazio, mesmo cansado. Ainda há alguém ali dentro. Esperando que alguém veja.

Porque por trás de todo silêncio... existe um nome.

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