Café requentado
- Felipe Manuel
- 23 de abr.
- 3 min de leitura
Hoje eu acordei com o gosto de ontem ainda preso na língua. Não sei se era arrependimento ou só o gosto do café requentado, mas... algo insistia em não me deixar ir. Fiquei encarando o teto por tempo demais, acho. E por um instante, quase acreditei que o mundo lá fora ainda fazia sentido. Quase. É estranho pensar em como tudo vai se moldando devagar. Não como argila nas mãos de alguém que sabe o que faz, mas como barro molhado sendo pisado por quem só quer atravessar o caminho. Eu fui pisado assim também. E às vezes me pergunto: será que eu também pisei em alguém enquanto tentava passar? Não é drama. Acho que nunca foi. É mais como... quando a música para e você ainda ouve a batida por dentro. Como se o silêncio gritasse mais do que qualquer som. Tem dias que me pego ouvindo essas batidas imaginárias, tentando lembrar de quem eu era antes de começar a colecionar silêncios. As pessoas falam muito sobre seguir em frente, mas nunca dizem o que fazer quando o caminho está cheio de espelhos quebrados. A cada passo, um reflexo distorcido. Às vezes, eu vejo você neles. E às vezes, me vejo tentando ser você. Ou tentando entender por que você parecia tão em paz mesmo quando tudo desabava. Já me disseram que o tempo cura. Mas nunca disseram o que ele faz com quem não quer ser curado. Talvez eu esteja nesse meio-tempo. Entre um passado que ainda dói e um futuro que nunca chega. Talvez seja por isso que escrevo tanto — como se a caneta fosse um bisturi e eu, a ferida aberta. Tem dias que penso em desaparecer, mas não no sentido literal. Mais como deixar de ser aquilo que esperam, e me tornar só um pensamento solto na cabeça de alguém. Como uma lembrança que volta com o cheiro de hortelã ou com uma música que toca do nada. Você já pensou nisso? Ser só uma sensação boa que alguém lembra, mesmo que nem saiba o motivo? Talvez seja isso que eu queira. Não ser lembrado por grandes feitos ou palavras bonitas, mas por um momento calmo em um dia difícil. Como um “boa noite” que chega na hora certa. Como um suspiro leve entre duas tempestades. Mas aí vem o medo. Sempre ele. Medo de não ser, de não estar, de não durar. Como se a qualquer momento tudo pudesse ruir. E talvez possa. Talvez já tenha ruído, e eu só esteja tentando equilibrar os escombros em cima de mim com um sorriso cansado. Engraçado como a gente tenta dar sentido pra tudo. Como se a dor precisasse de um motivo pra existir. Eu já quis entender cada ferida. Hoje só quero que elas cicatrizem sem me transformar em alguém que eu não reconheça. E no fundo, acho que continuo esperando por algo. Não sei o quê. Talvez só um gesto, uma voz, ou um olhar que diga: "Você ainda está aqui." Porque às vezes, eu mesmo esqueço. E se eu não acordar amanhã? Não sei se faria diferença. Mas... se você lembrar de mim, que seja como alguém que tentou. Que lutou com as palavras quando não tinha armas. Que abraçou o vazio como quem espera por estrelas. E que, mesmo sem saber como, ainda acreditava que valia a pena existir.
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